17 de setembro de 2021 Em Matéria

O novo normal

Muita gente está falando do “novo normal”, seja ele qual for esse novo normal, que já está acontecendo e irá se consolidar assim que o mundo conseguir superar a pandemia.

Esse novo normal pós pandemia certamente será diferente do que vivemos hoje. Para que todos entendam o quero dizer com isso vou fazer uma analogia que pode clarificar minha opinião.

pendulo

Imaginemos um pêndulo, o pêndulo balança de lá para cá, ele sai de um primeiro ponto (1), passa pelo meio (2) e vai até o limite do “outro lado” no ponto (3), como na figura ao lado.

Acredito que o que estamos vivendo hoje, neste novo normal durante essa pandemia equivale ao ponto (3), quando a pandemia arrefecer, iremos chegar ao novo normal pós pandemia, que não será tão “extremado” como o ponto (3), mas certamente não será como era “antigamente pré-pandemia”, o ponto (1). Acredito que o novo normal pós-pandemia seria o equivalente ao ponto (2) do nosso pêndulo.

A McKinsey em maio de 2020 divulgou um relatório intitulado “Winning the Recovery –  O novo consumidor pós COVID”, esse relatório cita uma série de mudanças de comportamentos esperados para esse novo normal, são dez os pontos ressaltados por esse relatório:

  • Digital onipresente
  • Consumo repensado
  • Aumento da (in)fidelidade
  • Consumo seguro
  • Saúde e qualidade de vida
  • O novo papel da casa
  • Casualização e indulgência
  • Sustentabilidade redefinida
  • Propósito
  • Desvalorização da metrópole

Mesmo esse relatório podendo ser considerado “velho”, afinal imagine como o mundo mudou nestes últimos 12 meses. Para esse relatório ter sido publicado em maio de 2020, suas pesquisar foram realizadas na melhor das hipóteses em março e abril de 2020, ou seja, há longínquos 12 meses. E como o mundo e nós mudamos nos últimos 12 meses, mesmo que em maio de 2020 já estávamos convivendo com essa terrível pandemia.

Mesmo assim me parecem que os temas propostos pela McKinsey para esse novo normal, seguem muito atuais. Assim vou falar um pouquinho de alguns deles a seguir.

Digital onipresente

Lembrando do pêndulo do início do artigo, lembre-se como você lidava com o mundo digital antes da pandemia. O que você fazia de forma presente e passou a fazer de forma digital, e, após uma rápida adaptação já acha bem normal, confortável e simples de fazê-lo, pode ser o seu supermercado, a sua reunião, o seu Happy Hour com seus amigos, ou tantas outras coisas que você poderia enumerar aqui.

O fato é que fomos obrigados a nos torar pessoas e empresas muito mais digitais do que antes. Independentemente do nível de digitalização que você se encontrava anteriormente.

Consumo repensado

Faça uma lista do que você acreditava ser fundamental na sua vida em termos de consumo há 12 ou 24 meses. Agora olhe para essa lista veja o que “está sobrando”, ou seja, não faz mais sentido. Acredito que muitas coisas que eram “fundamentais” há pouco tempo passaram a ser absolutamente irrelevantes e/ou inúteis. Por outro lado, é muito provável que você esteja sentindo falta nesta sua lista de 24 meses atrás de itens imprescindíveis para você hoje em dia.

Por exemplo, eu nunca havia considerado contratar um segundo link de internet para a minha casa, hoje eu tenho dois. Quando Claudia e eu reformamos nosso atual apartamento, projetamos um escritório que seria compartilhado por nós dois quando estivéssemos os dois em casa para trabalhar. Algo que era considerado muito improvável, afinal tanto ela como eu estamos “o tempo todo” em nossos clientes da nossa empresa de consultoria.

Ou seja, um escritório para os dois era “muito mais” do que necessitávamos há cerca de 3 anos quando reformamos esse apartamento.

Hoje sofremos por um espaço que atende apenas a um de nós dois, e, tivemos que improvisar um outro escritório em um dos quartos da nossa casa.

Como nós, tenho certeza que você que está lendo esse artigo e todos os seus conhecidos, clientes, amigos, familiares mudaram de forma significativa seus hábitos de consumo e importância para cada um deles.

Aumento da (in)fidelidade

Esse item do novo normal é um tanto quanto “esquizofrênico” porque são dois movimentos antagônicos que estão acontecendo, por um lado as pessoas estão muito mais abertas a novas experiências, portanto, disponíveis para testar novas marcas, serviços, produtos, etc.. Uma vez que tenhamos uma experiência que nos encante nos fidelizamos a ela.

Portanto, temos que aproveitar as oportunidades advindas dessa abertura das pessoas para testar o novo, e, ao mesmo tempo nos esforçarmos ao máximo para encantar nossos clientes atuais e os novos clientes.

Nunca o tema experiência esteve tão em voga e tão relevante como nos dias de hoje. Já não basta mais oferecer um grande produto ou serviço, temos que nos assegurar que os nossos clientes tenham experiências memoráveis ao usarem / consumirem o nosso produto ou serviço, em todas as etapas da jornada do nosso cliente. O tema experiência e jornada do cliente serão abordados mais a fundo nos artigos 12 e 13 que já estão no “forno” e em breve serão publicados.

Consumo seguro

Como estamos mais do que nunca consumindo digitalmente, o tema do consumo seguro passou a ser foco das preocupações das pessoas.

Nossas empresas tem que garantir e demostrar essa garantia da segurança de dados, informações, números de cartão de crédito, telefone, CPF, email, para nossos clientes.

De repete as pessoas perceberam que “entregar” essas informações para sues fornecedores podem lhe trazer grandes “dores de cabeça” se as mesmas não forem bem guardadas.

Portanto, estamos cada vez mais pensando duas vezes antes de fazer um cadastro em um site ou empresa, queremos primeiro ter a segurança que essa empresa irá tratar com o devido cuidado nossas informações que valem “ouro” para eles e nos são muito caras.

O outro ponto do consumo seguro tem haver com o penúltimo item dessa nossa lista, que é o do propósito. Vamos falar um pouco mais sobre isso mais para frente. Mas para não deixar aqui no “vácuo”, as pessoas estão também mais atentas às empresas que fornecem produtos e serviços, se essas empresas prezam pela sustentabilidade, o respeito a todos os stakeholders, desde a cadeia de suprimentos, passando pelos colaboradores, chegando à sociedade como um todo.

Saúde e qualidade de vida

Apesar de que nós sempre soubéssemos da fragilidade da vida humana, da nossa finitude, de que essa finitude poderia acontecer há qualquer momento, começamos a conviver com essa finitude repentina muito mais próxima ao nosso círculo mais próximo.

Com isso estamos a cada dia que passa mais preocupados em garantir a nossa saúde e a qualidade de vida. Isso passa pela mudança de hábito alimentar, de rotina de vida e exercícios e tudo que nos cerca.

Desde o local onde moramos, nossas decisões de quantidade de tempo investidos em cada um dos aspectos da nossa vida, trabalho, lazer, família, amigos, ócio, estudos, etc.. Compreender que a nossa empresa precisa ajustar a nossa oferta e proposta de valor que considere essa mudança tão radical que está em curso, e muito longe de terminar é fundamental.

O novo papel da casa

De repente, a casa se tornou o ponto central das nossas vidas. Um local que durante muito tempo, para muitos de nós, era apenas um lugar para ir dormir, passou a ser, quase que em 100% do tempo, nosso “mundo”.

Claro que quando a pandemia for controlada e pudermos voltar a conviver com maior proximidade uns dos outros, muitas coisas que hoje fazemos de casa iremos fazer em outros locais, seja trabalhar no escritório, sejam refeições fora de casa, seja o lazer.

Mas voltando a analogia do pêndulo do início do artigo, o novo normal certamente fará com que a nossa casa tenha um papel significativamente mais relevante nas nossas vidas no futuro, mesmo que seja no ponto (2) do pêndulo, e que neste momento estejamos com a nossa casa no ponto (3).

Claro que o escritório aqui de casa, num futuro, espero que próximo, poderá ser adequado para a Claudia e para mim concomitantemente, diferente do que descrevi algumas linhas acima.

Não é à toa que estamos vendo recordes de vendas de materiais de construção, móveis, itens de decoração, imóveis, etc.; “caiu a ficha” que a minha casa passou a ser algo muito mais relevante do que um simples lugar para dormir daqui para frente. Vamos continuar a trabalhar na nossa casa, mesmo que em alguns dias da semana apenas, vamos incrementar o hábito de receber amigos em casa e conviver com nossos familiares.

Casualização e indulgência

Outro dia estava batendo papo com um amigo e ele me disse que ele estava trabalhando de cueca, eu trabalho diariamente de bermuda. Coloco uma camisa polo preta, que faz parte do meu “uniforme” de trabalho e pronto.

Antes da pandemia, eu só usava calça jeans, tênis preto e camisa polo preta. Hoje em dia não visto um jeans há semanas, tênis apenas para correr. Passo o dia de chinelo, bermuda e a minha já tradicional polo preta (tenho umas 10).

Tenho a convicção que o dress code das empresas e mercados irão sofrer grande transformação quando sairmos da pandemia. Em muitos casos o terno, a gravata, a calça social serão eliminados.

O conforto passou a ser algo fundamental para nós, como estamos nos preocupando em nos sentirmos bem, muito mais do que a aparência que a “sociedade espera de nós”.

Os cuidados com a pele, nosso visual, estética, sem abrir mão do conforto serão cada vez mais relevantes e fundamentais para as pessoas.

Sustentabilidade redefinida

O tema sustentabilidade está cada vez mais em evidência para as pessoas, as empresas passaram a discutir como irão se tornar uma empresa ESG (environmental, social and corporate governance).

A sustentabilidade passa por um tripé, para que uma empresa seja sustentável ela tem que ser ecologicamente correta, socialmente justa e economicamente viável. Além de estar apoiada nesse tripé, as empresas precisam de um sistema de governança que permitam que os processos de decisão sejam fluídos e adequados em todos os níveis da organização.

As pessoas por outro lado estão cada vez mais preocupadas e promovendo mudanças no seu estilo de vida para reduzir os impactos gerados ao meio ambiente. Eu por exemplo, gosto muito de tomar água com gás, sempre comprei garrafas de 1,5 litros de água com gás para tomar. Há poucos meses decidi comprar uma máquina que “faz” água com gás em casa. Além de gerar uma pequena economia em termos de custo, gera uma significante redução da geração de lixo reciclável e consumo de garrafas pet.

Este é apenas um exemplo de como eu, e muito provavelmente, a grande maioria das pessoas estão sendo impactadas pela preocupação com a sustentabilidade.

Propósito

Em linha com o tema da sustentabilidade, nós estamos a cada dia que passa mais preocupados com o nosso propósito de vida. Esse propósito é fortemente impactado pelos nossos valores pessoais.

Como consequência disso, passamos a olhar com muito mais “carinho” para as empresas que decidimos consumir os produtos e serviços à nossa volta. Se alguma dessas empresas tem práticas antagônicas ao nosso propósito de vida e nossos valores, é muito provável que deixemos de fazer uso dos produtos e serviços destas empresas.

Em alguns casos, quando percebemos esse desalinhamento deixamos imediatamente de usar os produtos e serviços das empresas, em outros, por questões de dificuldade de substituição e/ou dependências específicas, levamos mais tempo para deixá-las. Mas independentemente do tempo que se leve, eu diria que no longo prazo, essas empresas “estão com os dias contados”.

Portanto, temos que nos preocupar em nossas organizações com a clara definição do nosso propósito, disseminá-lo amplamente interna e externamente e preservar nossos valores, e, exigir que todos os stakeholders que ser relacionam com nossa empresa compartilhem dos mesmos valores para seguir conosco nesta jornada.

Desvalorização da metrópole

Já vimos várias empresas devolvendo parte dos seus escritórios alugados, deixando cidades onde tinham suas operações para outras regiões menos complexas (caras de se viver, complicadas de se movimentar, violentas, etc.).

Com o futuro do trabalho passando para um modelo híbrido, onde parte do tempo iremos trabalhar virtualmente e parte do tempo presencialmente, o êxodo das grandes metrópoles para outras cidades circunvizinhas próximas provavelmente irá acontecer, se eu, no futuro próximo, precisar trabalhar presencialmente apenas uma ou duas vezes por semana aqui em São Paulo, por exemplo, eu poderia viver em uma cidade próxima (Jundiaí, Sorocaba, São José dos Campos, etc.) e vir para São Paulo neste dois dias quando necessário. Assim eu ganharia muito na minha qualidade de vida e redução do stress e custo de vida.

Confesso que não acredito no movimento que algumas grandes empresas fizeram de anunciar que “de hoje em diante nossa empresa será 100% virtual”, acredito que essas empresas terão que retornar para um modelo híbrido, lembra do pêndulo? Empresas 100% virtual terão maior dificuldade de lidar e fomentar a criação de uma cultura organizacional, gerar engajamento de times e equipes, bem como garantir que os valores e propósitos sejam compartilhados por todos.

O olho no olho, o calor humano, a leitura do ambiente e da linguagem não corporal continuam sendo muito importantes para as pessoas e organizações.

Conclusão

Por fim, sempre que algum cliente ou amigo me pergunta qual será o novo normal, eu respondo que não tenho certeza, falo desses pontos descritos acima e conto a analogia do pêndulo. Não tenho bola de cristal, sei que sou junto com todas as outras pessoas, responsável por criar esse novo normal, mas que ele virá e passará a ser “apenas” o nosso normal, isso eu tenho certeza!

Quando olharmos par trás daqui há alguns anos vamos nos perguntar como vivíamos “daquele jeito antigamente”?

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